2 de abril de 2017

lua em câncer

sobre a menina de cabelos crespos e olhos mel que me olha no espelho. sobre a lágrima que escorre do olho esquerdo em pleno domingo, silenciosa e triste, enquanto caetano canta na sala, o sol ilumina a cama onde a gata descansa como se o tempo fosse outro. como se nada acontecesse, como se ela fosse única, ou talvez, não fosse a única que ali se encontra, perdida no meio dos prédios cinzas da cidade fria. cheiro de maconha entrando pela janela. a augusta vazia. os portões das lojas fechados. burburinho nos botecos. domingo é dia de futebol e um dia foi também dia de churrasco em família, de família. de família. de mãe, pai, vó e irmão reunidos em volta da mesa. dia de salada de batata, de sobremesa, de mesa farta, de café depois do almoço. e é por essas e tantas outras lembranças que ela não vira vegetariana. e também por isso que os domingos são sempre mais difíceis. ainda mais quando a lua está em câncer. e quando ela própria tem a lua em câncer e as vezes se pergunta: como foi que ela foi parar tão longe, heim?

já passou natal. passou o carnaval e os ovos de páscoa já dominam os supermercados da cidade. o ano já começou faz tempo pra ela. já se perguntou mil vezes para onde ir. já arrumou a bicicleta. já cortou as unhas. já fez planos, já mudou os planos, já se matriculou na academia. já cancelou a academia. já voltou a sangrar todo mês. as vezes sem nem notar, as vezes com cólicas, dor no seio, hipersensibilidade quase insuportável. e ainda há quem diga que é fácil ser mulher. o roxo do tornozelo já sumiu. já pensou em mudar, já surtou, já quis ir embora, já viu o mar. já se apaixonou, desapaixonou, pediu para terminar, deixou ir, quis de volta, se arrependeu, desarrependeu e repetiu muitas e tantas vezes que "tá tudo certo", daquele jeito meio poliana de ser. daquele jeito que as vezes não dá pra acreditar. tudo mudou.

tudo permanece.

e a brisa lá fora mais uma vez, como em todo início de outono, faz lembrar do sul. ou de montreal. ou do tempo em que o frio tinha companhia e era mais fácil passar por tudo isso. não que tenha sido fácil um dia e nem que esteja sendo muito difícil agora. só se repete, e é diferente ao mesmo tempo. mas eu sigo escrevendo sobre contradições e sigo me repetindo e me desdizendo. eu sigo não sabendo de muita coisa e sabendo de tudo ao mesmo tempo. eu sigo querendo me apaixonar mas também querendo a minha solidão. o meu eu. o meu tempo. meu silêncio. minhas vontades. 

tá todo mundo assim. todos emponderados de si mesmos. e isso é tão lindo mas ao mesmo tempo tá tão difícil de abrir mão de nós pelo outro. tá tão difícil se relacionar com todo mundo olhando tanto pra dentro.

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