olhou pro céu e viu que as nuvens se movimentavam mais rápido do que o normal. era uma terça comum. fazia calor e ventava muito. era inverno. os barulhos da frei caneca invadiam o apartamento como sempre, marteladas e marteladas nas cabeças. carros buzinando. um cachorro latia. até quando ela iria suportar tudo isso? de repente uma casa no campo lhe pareceu um sonho e ela, que tanto quis a grande metrópole, enfim se questionava se todo aquele cinza realmente fazia parte dela. a esse ponto, a cidade já desistiu de engoli-la, e em dias como esse ela cancela todos os compromisso e se permite somente estar ali e sentir tudo aquilo que não estava conseguindo fazia tempo. foram dias acompanhada, dias de turista, dias de comida boa, sol e céu azul e cheiro de mãe pela casa. a menina aos poucos se ia e a mulher que restava estava cada vez mais forte. mas ainda sim se sentia em um momento de pausa. se sentia descansando, se preparando para algo muito grande que talvez viria logo logo. não tinha problema, estar ali estava sendo bom e ela sabia que esses dias e essas terças eram preciosos. eu cantarolava canções de ninar e sussurrava em seu ouvido coisas bonitas. os cachos da menina escorregavam pelo rosto. sapecas e malandros, caiam no olho mel que me espiava profundo. ela não precisava falar. ela não precisava me dizer nada. só aquele olhar me destruía, me penetrava, entrava dentro de mim e descobria todos os meus segredos. assim, bem fácil. tinha os lábios entre abertos prontos para serem beijados, respiração ofegante e a pele macia. eu ficava sem jeito. era tão fácil estar ali que parecia um sonho. ela me dizia vem, ela sempre me disse vem. sem palavras, sabe? e eu ficava ali parado, olhando, admirando, vendo o vento sacudir a cortina na janela e o olho dela lacrimejar. se eu soubesse que tudo isso seria assim hoje em dia, talvez eu tivesse ido mesmo. talvez eu tivesse me jogado assim como ela. mas os meus pés permaneceram presos ao chão e era difícil acreditar em todo aquele amor. era difícil acreditar em um ser tão profundo, intenso e apaixonado. por mim? não. não poderia ser verdade. eu que vivo só a tanto tempo e que nem sou assim tão bonito, interessante, charmoso. eu que nem sei de mim, que nem sei se vou ou se fico, que nem consigo fazer um café descente pela manhã. não. não é que eu não mereça. acho que eu mereço muitas coisas. mas talvez ela seja muito. me sinto fraco perto dela, é como se eu pudesse me quebrar a qualquer momento. é como se eu sumisse. não sei se consigo. não sei se posso. e aos poucos ela ia fechando os olhos e tornando a respiração mais suave. se ajeitava nos meus braços e tudo o que eu queria era que o tempo parasse e minha cabeça se esvaziasse. eu queria ir. queria muito ir. ainda quero. ainda vou. irei. e ela vai voar. é isso que os pássaros fazem não é? ela me escapa pelos dedos e escorre pelo ralo da pia. ela é água, ar e fogo. ela voa e eu fico aqui, admirando as nuvens que passam bem rápido. e, nos dias de vento, como hoje, as vezes sinto que a vi passando entre uma nuvem e outra, dando piruetas e gargalhando por aí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário