19 de julho de 2015

por todos os lados terra e sal

era frio e branco do lado de lá. com pessoas de cabelo preto e olhos pequeninos, arredondados. bochechas fofas. pareciam ursos. era longe. tinha muitas estrelas no céu, terra por todo o lado, poeira levantando no meio da multidão vazia. pegadas no chão, cheiro de história, sol que se põe e lua que nasce, deserto de sal, lagoas congeladas e agente ali meio indo e vindo e sendo levado e sentindo tudo aquilo sem ter tempo de parar e respirar. não se respira no deserto. não se tropeça entre as pedras e nem se sai limpo de lá. a pele branca fica marrom e a boca vermelha do frio. nariz com feridas, mãos secas descascando, dor nas costas e a confirmação de que sim, o frio dói. o frio é para os fortes, para os que querem sentir algo. para os que precisam de um pouco de dor para decidir o lado em que querem caminhar. vinte e cinco pegadas na areia, dois pulos pra esquerda e três giros olhando pro céu. ela era um grãozinho pequeno no meio daquela imensidão de montanhas e pó. ela sumia, surgia, se escondia e tentava se encontrar entre os lagos congelados e os flamingos rosas. e mesmo com tudo e com todos os medos e dúvidas e feridas ela sabia que era lá que ela precisava estar naquele momento. lá e em nenhum outro lugar. e com eles. e com tudo aquilo. e com todas aquelas histórias e aquelas pessoas. era a cura a necessária. era preciso um corpo gritando em pleno deserto de sal. salgada era a boca da menina de casaco vermelho entre as montanhas. salgado era o gosto do cansaço. salgadas eram as papas fritas. e o lomo. e o sangue. rojo. salgada era a pele suja de areia, e a água das lagunas, e a ponta dos dedos gelados. salgado era o corpo de mulher à margem, de menina parada no tempo com medo de voar. foi criança forte e cada vez mais se tornava uma mulher frágil. coração embrulhado, estômago faminto, olhar atento, mãos curiosas e ouvidos rápidos. pensava demais, falava de mais, respirava ofegante. parava. lia um pouco. ouvia uma música. fotografava. devorava imagens. viajava para a lua e voltava voando por entre as montanhas e as árvores secas do inverno. ia para o deserto do atacama e para santiago e se apavorava com as histórias do pinochet e com o sangue daquela terra de índios brancos de terno e gravata. era atenta e não sabia ao certo se voltar era uma boa ideia mas tinha saudade. melancolia. sentia no peito a dor que quem ama o que tem e o que faz falta. faz falta a gatinha nas pernas se ajeitando pra dormir e esquentando a cama. faz falta o cheiro de café pela manhã e a luz do sol que invade a janela. faz falta a cama bem grande e o travesseiro que abraça o corpo. faz falta o barulho da cidade, os falsos cronogramas e a pseudo tentativa de produzir algo. faz falta ir ao supermercado, fazer comida e sentar na frente da tv com a taça de vinho na mão e só. só ela e só. solidão tão boa, cadê você? pão quentinho, queijo prato e presunto cortado bem fininho. manteiga aviação. pão de queijo de minas. pôr do sol. bicicleta no minhocão. cigarrinho. ai, o cigarrinho. e a quíron me seguindo por todos os cantos da casa e pedindo comida pela manhã e querendo fazer festa pela noite. sim, a vida pode ser simples e leve e boa. a mente pode se aquietar e depois do vazio do deserto fica bem mais fácil encarar a correria de cidade grande. ela era assim meio nada, meio tudo, meio bossa nova, axé e samba. meio rock'n roll clichê, mutantes, baladinhas antigas, batucada. não andava querendo ser muito mas as vezes o peito explodia e não podia fazer nada. deixava. voava. chorava. escrevia. e ria, no quarto quente do hotel, pensando em neruda e em vinã del mal, valparaíso e o atacama. quem diria heim? como é bom voar.

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