nasci no finalzinho do ano de 1989, mais exato no dia quatorze de dezembro. quase quase nos anos noventa, mas ainda assim sou oitenta. primeira filha de um casal nada convencional que se encontrou e resolveu se acalmar e se acompanhar. ele do interior, das missões, lá no sul do brasil. vendia pastel quando criança, queria ser padre e cuidava da mãe. o mais novo de cinco. o único loiro, "alemão" o chamavam. criança calada, filho comportado, um guerreiro desde pequeno. até hoje me pergunto se o meu pai um dia foi criança. a vida nunca foi fácil pra ele. gostava de pescar e andar de bicicleta, cuidava da horta e sonhava em ser político. aquariano. livre e louco pra voar. veio para porto alegre com dinheiro para se sustentar por uma semana. conseguiu um trabalho. se formou em direito. advogou por um tempo. trocava seus serviços por pudins ou outros presentes quando seu cliente não podia lhe pagar em dinheiro. era excessivamente bom. excessivamente justo. não foi feito pro mundo dos homens. só queria fazer o bem e ajudar os outros. passou num concurso público, cresceu na vida, conseguiu um salário fixo, plano de saúde, aposentadoria. o menino do interior cresceu e conquistou tanto que a vó maria nem sonharia. com certeza ela sorri orgulhosa lá de cima, como eu. já a minha mãe era garota do bom fim. culta, inteligente, filha de um psiquiatra renomado tão louco quanto os loucos que tratava. a filha mais nova de três. a caçula e claro, a injustiçada. sagitariana com ascendente em aries. faca na bota. tinha amigos músicos, era apaixonada por caetano, gal, chico e nico. ia ao teatro, viu a bibi ferreira. estudou psicologia na ufrgs. passou em sexto ou sétimo lugar, era boa. trabalhou com crianças, adultos, malucos e doentes. queria fazer o bem, mas queria também se encontrar. se sentia abandonada pelos pais e acho que por isso nunca deixou seus filhos se sentirem assim. somos extremamente parecidas. e com o tempo estamos ficando cada vez mais. fisicamente e psicologicamente. até a voz e as expressões são as mesmas. assustador. mas ela é linda, forte e difícil. assim como eu. é dessas pessoas que chamam atenção quando chegam, que quando não gostam de algo todo mundo acaba sabendo. é dessas pessoas transparentes, que querem o bem e que tem dificuldade de aceitar aquilo que inicialmente não lhe parece certo. é a dona da razão, sempre. e eu sou insuportavelmente parecida com ela. me considero um pouco mais aberta, mas talvez seja só eu que pense isso. hoje ela está aposentada. merecido descanso eu diria, agora ninguém segura essa sagitariana. minha infância foi incrível, guardo belas recordações dessa época. fui uma criança que queria ser adulta. queria ser ouvida e respeitada. nunca adiantou me dizerem que as coisas eram da forma que eram porque tinham que ser. tudo tem um porquê e desde pequena regras e limites foram difíceis de entrar na minha cabeça. foi bem difícil pra mim também descobrir que as pessoas são diferentes e que nem todos pensam como eu. sempre fui líder. sempre quis mandar e nunca gostei que mandassem em mim. na escola eu era a líder da turma, organizava os eventos, dirigia as peças de teatro. era estudiosa, gostava de apresentar trabalhos e detestava provas com questões objetivas. sempre gostei de divagar sobre os assuntos. pra mim nunca houve somente uma resposta certa. era uma criança meio chata, daquelas que tem respostas pra tudo. na infância descobri o teatro. queria ser atriz. gostava de ler e devorava peças e decorava textos com uma facilidade incrível. dirigia os colegas e apresentava espetáculos no final do ano. sempre fui a artista da família e sempre pareceu que todos se orgulhavam de mim. sempre questionei o mundo e a forma de pensar de cada um. cutuquei meus pais, meus tios, meu irmão, e sofri muito também com toda essa coisa de pensar e querer e sentir demais. o bichinho da atuação me picou bem cedo, acho que eu tinha uns nove, dez anos, por aí, e desde então eu nunca mais consegui viver sem sentir esse frio na barriga que só o ator sente quando descobre o prazer de ser outra pessoa. eu sempre quis ser muitos e tantos personagens e viver tantas vidas incríveis que demorei pra descobrir quem eu realmente sou. acho que até hoje não sei. quando eu tinha quatro anos nasceu o meu irmão, dois dias depois do meu aniversário. eu tinha quebrado a perna e roubei a cama de hospital da minha mãe. eu era uma filha única mimada e sofri muito com o nascimento do meu irmão. ele era lindo e loirinho e pequenino. e ninguém mais queria saber de mim quando ele nasceu. sofri. senti ciúmes. senti o abandono. mas eu não seria quem eu sou se não fosse ele. eu precisava aprender a dividir a vida e as pessoas que eu amo, e ele me ensinou isso. ele era o "meu" filho, meu bonequinho. virei uma criança adulta e zelei pela segurança dele nos primeiros anos. depois vieram as brigas, as diferenças, os desentendimentos e o amor. e eu tive que entender que eu não podia transformar ele no que eu queria que ele fosse. eu tive que entender que ele é como ele é e que eu vou ama-lo de qualquer jeito. ele não gostava das minhas músicas, nem dos meus filmes, nem das peças de teatro. ele era diferente de mim e ainda assim um pedaço meu. sagitariano também, somos três em casa e é por isso que lá sempre são as festas de final de ano. sim, sempre fui boa com festa e sempre vivi rodeada de pessoas. não nasci para estar só, definitivamente. chamava um, convidava outro e quando via minha casa estava cheia das mais diversas pessoas. cantávamos, bebíamos, fumávamos e conversávamos sempre fazendo planos para o amanhã. sou receptiva e gosto de tratar bem quem eu amo. na minha casa nunca falta comida e ninguém se sente desconfortável. sempre gostei de fazer as pessoas se sentirem bem. aos poucos fui me tornando o meio das relações. me dava bem com todos e inimigos se tornavam amigos por minha causa. nunca gostei de conflito. sou daquelas pessoas que quando brigam choram insuportavelmente por não gostar daquilo. mas sim, se for preciso eu brigo. não sei mentir e já desisti de tentar mentir bem. não funciona comigo e todo mundo acaba descobrindo em algum momento. falo a verdade. mesmo que doa. não tenho muitos medos. gosto de desafios. com o tempo comecei a me respeitar mais e a descobrir que não preciso provar nada pra ninguém. muito menos pra mim mesma. aos poucos fui me aceitando e me gostando do jeito que eu sou. assumo as minhas cagadas, peço desculpa e não repito duas vezes o mesmo erro. aprendo a cada dia. sinto prazer em aprender. gosto de descobrir o ser humano e as suas facetas. sou apaixonada pelas pessoas. me intriga a vida dos outros. é como se cada um tivesse um filme ou um livro escondido querendo mostrar mas com medo de contar. talvez seja por isso que eu fale tanto de mim e tenha resolvido escrever essa autobiografia. na verdade comprei um livro ontem. mesmo sem dinheiro. fiquei intrigada com o homem que resolveu escrever sobre a sua vida. e fazia tempo que um livro não me chamava atenção. sou muito exigente e certas palavras e formatos de escrita me incomodam. nunca consegui ler teorias. definitivamente não sou acadêmica e nem nasci pros métodos convencionais de estudo. acho inteligência afrodisíaco e sei que aprendo muito mais as vezes em uma conversa do que em uma aula. gosto de falar e de dar minha opinião e quando não consigo me sinto frustada, limitada, presa. nunca suportei a ideia de não poder fazer alguma coisa. o "não" nunca entrou na minha cabeça. pra mim tudo nessa vida é possível e eu não duvido de nada. eu posso tudo. eu quero tudo e muito e mais. sou dessas pessoas que sonham alto e que explodem de tanto querer e sentir. sou dessas pessoas que quando tem um dia inteiro pra si escrevem sem parar na tentativa de organizar um pouco tudo que se passa aqui dentro. sou dessas pessoas que não tem medo de falar da vida, de se expor e mostrar seus defeitos. sou dessas pessoas contadoras de histórias, que aumentam um pouquinho ali e exageram nos adjetivos, que gostam de tornar as coisas simples interessantes e sentem prazer na gota de chuva que cai e escorre no vidro da sala. eu digo e desdigo tudo que foi dito porque sim sou contraditória e mudo de opinião, e claro, estou sempre certa, mesmo errando bastante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário