maria não gostava de domingos. assim como não gostava de comida apimentada, raiz forte, e bala de gengibre. tinha os olhos pequenos, quase fechados. tinha uma coleção de incensos também. lavava as roupas quando se sentia entediada e lia para fugir da solidão. no domingo sentia saudade de casa e o barulho que vinha da janela do décimo nono andar parecia com as ondas do mar indo e vindo na beira da praia. estava na cidade grande, em meio a prédios, antenas e automóveis. precisava cortar as unhas dos pés. precisava pisar na grama e sentir a terra. viver nas alturas a fazia voar cada vez mais. mas andava com as asas machucadas. caiu do castelo faz umas duas semanas. levou um tombo tão grande que por pouco não perdeu tudo que tinha. maria não sorria mais. perdeu a alegria. os dias passavam como uma luta e dormir e acordar não era tão simples quanto parecia. maria tomava um café forte pela manhã, colocava uma música qualquer para tocar e olhava pela janela a cidade em movimento. observava tudo. fazia planos, pesquisava eventos e se programava para fazer mil coisas. se perdia em pensamentos e deixava escorrer uma lágrima. se sentia cansada. maria era daquelas meninas sonhadoras de olhos brilhantes e frases prontas na ponta da língua. daquelas que organizam o passeio e levam todos para brincar no seu parque de diversões. todos queriam ser como ela, e ela não se aguentava mais. parecia tudo de mentira. pensou em ir embora. sim, de novo. pensou em voltar. mas voltar pra onde? maria com o tempo foi descobrindo que nunca foi e nunca voltou, que nunca esteve. era como o vento de verão. quente, abafado e intenso. só. maria estava só como nunca havia estado. lhe arrancaram um pedaço, assim sem nem perguntar o que ela achava, sem pedir permissão. esvaziaram maria. fecharam os olhos, costuraram a boca e por pouco não a atiraram pela janela. ficou assim deitada em cima da cama, imóvel e vazia. um sopro de vida quase se perdendo na imensidão cinza da cidade grande. já era uma mulher, ou quase. não tinha casa, tinha quarto. tinha várias camas. tinha pai e mãe. duas gatas e um cachorro. tinha irmão. tinha vó. uma aqui e outra lá que nunca havia conhecido, mas que sempre estava com ela e também se chamava maria. tinha uma câmera e uma mala cheia de histórias. tinha esperança, por mais que pensasse que não. maria sabia que a vida lhe reservava algo muito bom pela frente, tinha certeza de que os sorrisos voltariam a brilhar em seu rosto e que a alegria de viver retornaria em breve, tão breve quanto não esperava. otimismo nunca lha faltou, mesmo quando parecia que a tristeza não teria fim. maria sabia que a vida era curta. maria sabia que precisava desfrutar e só. afinal, nunca se sabe como será o amanhã e tudo o que maria queria era ser feliz agora e ponto. como a menina na beira da praia que vê o mar pela primeira vez, era esse olhar que maria não queria perder nunca, e essa alegria ninguém podia lhe tirar.
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