acordava com o sol se pondo e dormia ao amanhecer. virou o relógio ao contrário e tornou a noite sua companheira de solidão. no pico da cidade, no auge da juventude, transbordando amor, não tinha nada... tinha pés cansados, olhos perdidos e uma sede eterna no canto da garganta que lhe cortava a voz, deixando-a cada vez mais rouca, cada vez mais grossa, como um grito surdo em meio a multidão de vozes pedindo silêncio e ação. o cigarro já não era mais seu companheiro, bem como vários vícios que havia abandonado, nem a cerveja lhe excitava mais... encontrar os amigos? que amigos? pessoas que fazia tanto não via, não sabia por onde andavam e nem perguntavam muito por ela... foi se perdendo, se afastando, sumindo aos poucos, como se logo logo fosse ir embora para bem longe e não quisesse mais ter vínculos com os que ficavam desse lado. não era boa com despedidas, nem gostava da palavra adeus... mas estava indo, por mais que tentasse com todas as forças pensar que não. estava cortando o cordão, virando a página, indo voar de novo por aí, mas dessa vez mais decidida e madura, como se a vida lhe tivesse dado um pontapé na bunda e dito "levanta daí, e vai! voa!"... a sensação era confusa e o medo constante... se sentia só na casa vazia. o disco girava, a música tocava bem alto e a gata desfilava pela sala atrás do restinho de sol que entrava pela sacada... nada se movia, nem o vento invadia a casa... era como uma pausa no tempo, como se tivessem tirado a pilha do relógio e a obrigado a parar um pouco. a verdade é que não queria pensar, não queria sentir o vazio, não queria chorar e nem pensar na saudade. estava cansada, a história se repetia e tinha medo que o final fosse o mesmo de sempre, de todas as outras vezes, de todas as outras lágrimas solitárias que já haviam escorregado pelo seu rosto... a casa transbordava amor, para onde olhasse lembrava dela. ela estava nas paredes, no espelho, nas flores da sacada, na cama desarrumada, nas roupas atiradas no armário, no mate em cima da mesa, nos incensos... desde que partiu o calendário ficou em branco, dias e dias sem nada escrito, dias de solidão... a casa perdeu a graça, a comida estragou na geladeira e as poucos não tinha nada, até o café acabou... se esforça colocando água nos copos e fazendo fumaça pelos cantos, mas parece em vão, quando se perde em pensamentos as lágrimas começam a escorrer pelo rosto e tudo parece não fazer sentido, e o tempo que não passa e essa cidade que não para... e essa ânsia e essa vontade de ir e de estar contigo, com ela, lá, lá longe, lá onde a selva é de pedra e o futuro parece melhor, lá onde o ar é diferente, os prédios são altos e o relógio não para de girar nunca. lá onde a solidão é compartilhada e as oportunidades parecem ser muitas. sem casa, sem pátria, voltou ao antigo texto e se sentiu perdida de novo, como se não fizesse parte daqui, como uma andarilha buscando o seu canto, como um passarinho sem ninho e sem forças pra voar... quer ir, mas sozinha não sabe se vai conseguir... não quer partir só de novo.
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