levanta-se da cama desanimada, dessa vez o sonho estava bom. toma um café forte para acordar e escreve em seu mais novo computador pink. na janela vê tudo preto e branco, a neve caindo. frio de novo, de novo e de novo. está farta do inverno, nenhuma novidade. os pássaros brancos voaram de volta para o Brasil, levando com eles os sorrisos alegres e a companhia agradável. dias intensos em família, amigos que vão, novos desconhecidos que chegam. o primeiro dia do mês não poderia ser mais agradável. dia de pagar as contas e de encarar a brisa gelada de montreal. o dia tinha sido igual aos outros e talvez daí viesse o acúmulo de vida. sentir, sobretudo sentir. o silêncio da casa era cortado por canos estridentes que berravam de quando em vez... ela carregava consigo um livro da Clarice, aquela que voltou sem nunca realmente ter ido. vestia meia-calça cinza, uma blusa laranja colorida e um casaco verde trazido de lá para acalentar seu peito nas manhãs frias. sentia frio nos pés e sem saber porquê estava sem meias, desnuda, com uma feupa cravada ali no calcanhar esquerdo. essas coisas não a incomodavam. cortou os cabelos de novo e os deixou um pouquinho mais vermelhos, mesmo que por pouco tempo gostava de mudar. queria mudar a casa, mudar os quartos, organizar tudo novamente, de uma forma diferente. sonhava acordada com a primavera chegando, as árvores amarelas e as flores brotando. desejava ver a grama verde e os esquilos gordinhos saltitando pelo parque. ela abria a mão de quando em quando e deixava um passarinho subitamente voar. voava sobrevoando a cidade entre as nuvem brancas de neve, depois dava uma volta pelo verão brasileiro, abraçava amigos, dançava um pouco pelas ruas e antes que caisse a primeira gota de suor voltava tranquilamente para sua toquinha querida. tudo permanecia igual e ao mesmo tempo cada novo dia era um novo dia. profundo. se perdia entre as palavras e as línguas. pedia socorro aos cinquenta e cinco dicionários guardados em sua mochila pesada. os óculos de grau que nunca fizeram diferença em sua vida agora pareciam não funcionar, olhos cansados da tela do computador. caminhou pela noite fria um dia desses e descobriu um cinema ao ar livre, com poltronas vermelhas em plena saint denis. a cidade estava louca, todos borachos, coloridos, dançando e cantando... montreal de repente se tornara uma cidade super populosa e o frio parecia no molestar nadie... de onde surgiu tanta gente? foi em uma festa num corredor de uma estação de metrô, ouviu músicos cantarem e por ali ficou até que o efeito de toda aquela loucura passasse... ou não... acredita que o efeito nunca tenha passado e os seus dias maintenant tem sido doces e brilhantes. que seja doce, repito todas as manhãs ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. a noite veio e ela continuou a respirar no mesmo ritmo estéril. mas quando a madrugada clareou o quarto docemente, as coisas saíram frescas das sombras, ela sentiu a nova manhã insinuando-se entre os lençóis e abriu os olhos. sentou-se sobre a cama. dentro de si era como se não houvesse a morte, como se o amor pudesse fundi-la, como se a eternidade fosse a renovação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário