17 de dezembro de 2011

entre as curvas e os deslizes


entre los diez mandamentos
uno sólo es para mí;
ser tan libre como el viento
conservando la raíz.

Alejandro Jodorowsky
(forte influência nesse texto)

era preciso tomar um café bem forte todas as manhãs para que despertasse para a vida. uma banana ou uma torrada também eram bem vindos. me falava do frio, do fim do ano e se perdia quando o assunto era astrologia, signos e planetas. colocava um vinil melancólico na vitrola, erguia a cortina e fumava o seu primeiro cigarro olhando a cidade de baixo... primeiro a grama (verde ou branca, dependia do dia e da temperatura lá fora). mais um domingo. mais uma tentativa de fuga da melancolia... essa palavra chata que insiste em aparecer nos seus textos. o domingo era inevitável... chegava e batia forte no coração, chamava a saudade e fazia doer o peito. pensou fazer diferente, sentir diferente. pegou os patins e foi se arriscar em uma pista de patinação no gelo. começou devagar, como uma criança aprendendo a caminhar. um passo depois do outro, e do outro, e do outro... e pluft! teve o seu primeiro contato com o gelo. não tão amigável como ela esperava... deslizava entre as crianças e os tombos gelados. gostou da sensação do vento no rosto e de poder deslizar pela vida de vez em quando. seguiu deslizando por mais um tempo, foi pra coréia, pro equador, pro brasil, pra itália, pro chile e pra frança, claro. ia pra frança todos os dias, em seus sonhos lúcidos e não lúcidos. deslizava entre os penhascos, vendo os mais belos crepúsculos. entre os prédios pequenos e antigos, entre as casas de tijolinho a vista, as árvores secas e os esquilos... uma vez lhe disse para que cuidasse para não se perder entre os deslizes da vida, ela me olhou profundo nos olhos e largou uma deliciosa gargalhada. me sentia pequeno ao seu lado, me sentia pouco. acho que essa sensação sempre a perseguiu e penso ser terrível sentir isso eternamente, como se nada fosse suficiente pra ela, como se sempre tivesse que buscar um tempero diferente para os seus dias. gostava dos loucos e das loucas, gostava dos que sentiam, dos que sorriam, dos que choravam... gostava de ver o brilho nos olhos e sofria quando sentia um vazio gelado na sua volta. aos poucos ia criando o seu próprio dicionário para fugir desse turbilhão de línguas diferentes... em vez de "nunca", dizia: muitas poucas vezes. em vez de "sempre": com frequência. "infinito" para ela era: extensão desconhecida. "eternidade"? fim impensável. "fracassar": mudar de atividade. "eu sei": eu acho. "és assim": é assim que te sinto. "morrer": mudar de forma. e por fim, a mais difícil das palavras, "saudade", para ela significava: te amo.

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