era uma menina agitada, espevitada. passava o batom vermelho nos lábios, bagunçava os cabelos crespos e sorria exageradamente para as fotos. um sorriso amarelo, de orelha a orelha. os olhos pequenos, quase fechados, pareciam de uma pequena japonesa-índia-loira. gostava de ir para a creche, de brincar com as outras crianças. brincava tanto que por vezes não dava tempo de chegar no banheiro para fazer xixi... a cada mês que passava escolhia uma nova melhor amiga. se sentia segura. até o dia em que a deixaram de lado e teve que suportar à si mesma. uma vez sentou num formigueiro e chorou coçando as bolotas vermelhas que surgiam e ardiam. outra vez caiu do escorregador enquanto fazia uma competição boba com as outras crianças. queria vencer, adorava desafios e ficava furiosa quando as coisas não eram como ela gostaria. quebrou a perna um dia e ninguém acreditou, pensaram que estava fazendo cena... era uma filha única mimada e solitária. até o dia em que um alemãozinho apareceu na sua vida. um serzinho pequenino com quem ela poderia brincar e ensinar todas as coisas maravilhosas que gostaria que tivessem ensinado para ela. ele seria que nem ela... não. seria melhor que ela. com o passar do tempo foi descobrindo que ele e ela não tinham muitas coisas em comum. ele não gostava das suas brincadeiras, não gostava dos seus filmes... não era educado, não a tratava bem e ainda por cima fazia seus pais brigarem com ela. Sentia ciúme, se sentia abandonada. depositou todas as suas expectativas em uma criança e quis fazer dele o seu boneco perfeito. não deu certo. assim como não deu certo sua carreira de dançarina de jazz... depois de meses de aulas e ensaios foi excluída da apresentação de fim de ano com a desculpa de que não haviam meninos suficientes para fazer a coreografia e ela acabaria ficando sem par... patético. tentou jogar futebol por um tempo. era uma boa zagueira e se divertia atrapalhando as jogadas do outro time... até que um dia uma bolada lhe atingiu o rosto e caiu com tudo no chão, vermelha e sem ar. depois do acontecido resolveu largar dessa vida, não havia sido feita para apanhar das outras meninas... tentou escrever, ganhava todos os concursos de poemas da escola... a escola era pequena, sua turma tinha mais ou menos uns dez alunos e desses dez no máximo três participavam do concurso. fazia teatro e isso era o que lhe dava mais prazer. era quando ela realmente se sentia à vontade e satisfeita. sonhava em montar uma peça e fazer turnê pelo Brasil inteiro. queria viajar pelo mundo, ser livre. viver de arte e de amor. dizia que com dezesseis anos iria morar sozinha, que não se casaria nunca e nem teria filhos. talvez um dia adotasse uma criança, mas lá pelos seus trinta quase quarenta anos, sabe? era leal, ingênua e confiável. tinha a sua ética e a sua fé. acreditava nas pessoas e tinha esperança de que pudesse melhorar o mundo um dia. com o passar dos anos foi levando alguns tombos no caminho, pontapés nas costas e tapas na cara. hoje agradece à todos que de alguma forma contribuiram com os seus "fracassos". é tão bom poder ver as coisas com outro ponto de vista. amarrava os cadarços do tênis, colocava a mochila nas costas e entrava animada no carro. havia sido uma criança feliz.
Gostei tanto que já me vi saudoso, a pensar "como será que será ler o blog quando essa mulher estiver lá longe?" - te guardo no coração, B (:
ResponderExcluir