1 de maio de 2016

vento frio e os quereres

se fosse fácil ela sussurraria palavras leves e com o canto da boca estamparia um meio sorriso no rosto, uma leve piscada dos olhos, os cílios longos, loiros, um vento de sul esfriando as orelhas, os dedos brancos cada vez mais brancos, a pele transparente, as pernas cada vez mais fortes, a fome cada vez menor, a sede que só aumenta e esse frio que entra pela janela, invade a casa e faz a memória ir lá pro lado de lá, pra além do oceano, pra depois das montanhas. cheiro de inverno no ar, cheiro de sul, de chimarrão quentinho, de meia de lã, de fogo queimando, de colo de mãe, de sopa de legumes, de vinho tinto, uma, duas, três garrafas, lua minguante, dia que vai, noite que vem, semana que acaba e semana que vem, que chega, que promete. geladeira vazia e saudade do carnaval. ela era dessas pessoas que de repente acordam e sentem o turbilhão dos dias que passaram, assim tudo junto, meio misturado ainda, meio sem fazer sentido. as vezes lhe falta terra. as vezes lhe falta ar. as vezes lhe falta voar. ela coleciona imagens e produzir nunca foi o seu problema. difícil parar, difícil olhar, difícil ficar quietinha e analisar tudo. ou não. ou sim. ou não. ou sim. basta. você lhe diz coisas belas e deseja uma vida linda de amores, sucesso, sexo, festas, tambores, danças, amigos, projetos e tudo e mais um pouco de tudo tanto que a gente quer. você lhe fala do agora e chora quando pensa no passado. você tem os olhos profundos, a voz macia e um mistério e uma dúvida que lhe faz sentir intrigada com tudo isso. ela é mulher forte, ela sabe de algumas coisas tão bem que nem sabe como, mas sabe. ela já viveu tanto, e já morreu tanto e renasceu tantas e tantas vezes que só pode dizer uma coisa: tudo vai melhorar, vai passar. o coração vai bater forte de novo, a solidão será leve e você vai conseguir fazer uma comida bem gostosa só pra você e mais ninguém. você e o seu jeito lindo e gentil de mulher boa, você e a sua energia forte de guerreira, você e esse seu jeito sensual de olhar que não transparece, que deixa dúvida, que dá vontade de desvendar. você e os seus segredos e o seu passado não tão secreto assim. você e as palavras bonitas, o ouvido atento e coração mole de gente de verdade. não sei. te digo obrigada, e mais nada. ela era assim meio dengosa, meio gata manhosa, meio bom dia sorridente e boa noite vamos lá. ela acordava cedo da manhã, quando os primeiros raios de sol invadiam a casa e faziam refletir na parede a rede da janela da sala, colocava a elza cantando bem alto, ascendia um incenso, fazia café, fumava um cigarro. queria ver o céu, queria o horizonte, queria vida além do concreto do centro de são paulo. mas ao mesmo tá tudo tão certo agora que ela só queria mesmo era um instante com você, a sua verdade, e mais nada.

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