faz tempo que o tempo tem passado meio rápido e que eu tenho ido com o vento meio sem saber pra onde. indo meio sem saber porquê. indo com fome, com sede, com gana, querendo tudo e ao mesmo tempo querendo tão pouco. faz tempo que o tempo tem brincado comigo, tem feito os dias serem longos, as noites eternas, o sono pouco ou muito, depende da lua, assim como o suor estampado nas cobertas, na fronha do travesseiro desejos insaciáveis, sem pudores, eu comigo mesma nesse apartamento colorido onde tudo respira e transpira: eu. faz tempo que as palavras tem sido mais objetivas, tenho me ocupado muito e aqui dentro fica esse silêncio de textos entalados desde o carnaval. o verão passou como um raio, como os fogos de artifício colorindo o céu na noite de ano novo. foi lindo, lisérgico, quente, molhado e cheio de purpurina. o outono chegou tentando avisar para aqueles que ainda não entenderam: que sim, o ano já começou, meu bem. nós e a nossa mania eterna de sempre acabar com a festa. nós e a nossa vontade eterna de que a festa nunca termine. os cachos caíram no chão e só o que restou na cabeça foi um cabelo loiro raso, espetadinho pra cima com um redemoinho mais atrás e um mini pega rapaz (ou pega moça) na nuca. ficou leve. sentiu frio nas orelhas e um vazio bom na cabeça. se olhou no espelho e pluft! de repente se transformou em outra pessoa. era a mesma, mas era outra. tinha o rosto mais fino, o rosto mais forte, tinha rosto. o rosto que sempre esteve escondido entre cachos e bochechas de repente saltou pra fora e se tornou algo extremamente forte e chamativo. quem era aquela mulher escondida dentro dela por tanto tempo? meio menina, meio moleque, meio mulher, sem vergonha, safada, meio homem, meio bicho, metade gente e metade cavalo, cada vez mais se sentia sagitário, se sentia centauro, se sentia sendo o que deveria ser e só. a fotografia explodia em seus olhos e já se tornara impossível viver de outra forma. resgatando projetos se descobriu fotografa desde sempre, desde os dez ou onze anos, desde a época em que se achava meio bruxa e a cidade lhe presenteava com fotografias encontradas na rua, pedaços de outras vidas jogados fora, pequenas histórias esquecidas que ela resgatou e guardou por tanto tempo. tanta vida perdida, nunca consegui entender muito bem as pessoas que se desfazem das fotos. não que tenha que entender, mas sempre fica uma curiosidade, uma vontade eterna de saber os porquês. e eu só queria mesmo era um bom banho de mar nessa sexta quente, um fim de tarde tranquilo, o infinito, o horizonte, as cores se encontrando e o céu virando laranja rosa azul preto. queria olhar a lua nascer e deixar o tempo passar sem me preocupar com a vaga do possível trabalho que vão me chamar, com os estudos e as pesquisas dos projetos, com o pagamento do último job, com a roupa apresentável que vou ter que usar amanhã e com o calor na cidade cinza que não nos dá trégua nunca. eu só queria esvaziar a cabeça e me deixar assim, leve, com tudo que aconteceu. não queria expectativas, nem esperas. queria palavras bonitas sussurradas no ouvido, um toque suave no pescoço, os pelos arrepiados, os pés se roçando, o corpo derretendo e a respiração ofegante. te queria por um dia, só um dia. inteira e aqui, comigo, sem mais nada, nua, entregue, minha, por um dia. e eu perdida em meus sonhos e devaneios viajo entre os mundos e respiro tranquila com toda essa explosão de sentimentos. quero gritos de guerra, quero que a cidade exploda em vermelho verde e amarelo, quero as mulheres unidas lutando e sorrindo, quero as bandeiras balançando no céu, quero os carros de som, os hinos cantados em coro, purpurina espalhada pelo chão, esperança, luta, força. e não, não vai ter golpe, porque nós não vamos deixar.
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