24 de abril de 2013

sobre virar água


sobre a menina que chora depois de comer sushi. sobre as lágrimas azuis que saltam dos seus lindos olhos. sobre a decepção, o sofrimento, a perda, o medo - compartilhados. porque lá dentro daqueles olhos eu me vejo, eu te vejo, eu vejo o meu pai, meu irmão, o porteiro, as marias e as joanas... sobre ser câncer, ser água e derreter antes da queda. quando a gota derrete e escorre pelo vidro do box do banheiro a queda se torna leve e indolor... por trás do vidro o teu corpo molhado embaça o meu olhar e o calor do banheiro e as frases escritas com batom vermelho no espelho me fazem viajar pra longe desse planeta e esquecer de tudo... esqueço do dia em que me fizeram de boba e riram pelas minhas costas, esqueço do tapa que levei por ter falado de mais, esqueço dos olhares atravessados, dos beijos escondidos e dos abraços envergonhados. esqueço de que as vezes caminhar na rua de mãos dadas não me era permitido e ser feliz podia fazer infeliz quem eu amo. porque quando o som da água caindo no teu corpo invade a minha cabeça e eu me perco em ti, ali, em baixo do chuveiro - molhada e entregue - nada mais disso me interessa, nada mais pode me fazer mal, ninguém mais pode me atingir. ela comia dois temakis e se sentia satisfeita. salmão e skin, pele. uma coca-cola zero: metade no restaurante e a outra metade no caminho. cada vez uma nova palavra, cidade ou praia. se rendia aos clichês da sociedade e analisava cada passo seu, meu, nosso, com carinho e sem dó nem piedade, sem medo e meias-palavras. ela era diferente, ela falava... até então eu nunca tinha encontrado alguém que falasse tanto quanto ela, e se atirasse de cabeça, assim... que nem eu. até então a vida tinha sido cíclica e redonda, sempre dando voltas e terminando no mesmo lugar... com ela vieram as curvas, os horizontes sem fim e a vontade de andar em linha reta de vez em quando... ela largava as palavras como se fossem pérolas e se perdia olhando o celular. saía constantemente desse mundo. uma vez foi para o paraíso, conversou com o avô, comeu cuca e doce de leite e andou à cavalo. era um dia quente e ensolarado de outono, o céu era de um azul-bebê-clarinho-clarinho e a grama era de um verde tão verde que quase cegava os olhos. passeava entre as nuvens. se perdia entre as montanhas e os riachos. saltava pedras, caía em buracos e me visitava em sonhos... bem assim: e em um instante doce ela virava água e desaparecia.

2 comentários:

  1. lindo,intenso e suave como as gotas do orvalho

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  2. ... não desaparece, o que lhe cobre é vermelho vivo e você reluz ao lado dela !

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