a música parou de tocar e fez-se o silêncio. fugiu apavorada das palavras não ditas e dos olhares atravessados. lembrou do passado e quis voltar a ser só. sozinha eu me seguro, mas você chega e eu danço... você sabe de mil truques pra me jogar do abismo. queria se proteger, queria evitar o fim que sentia estar próximo. sempre teve dificuldades com finais... dos livros que lia poucos eram tocados nas últimas páginas, e os poucos tocados a deixavam decepcionada. os fins sempre eram tristes ou então solitários. se sentia crua, bege e sem cor. faltava-lhe o brilho e o coração palpitante. depois de dias de solidez as lágrimas começaram a cair novamente. se sentia fraca, com medo. medo de falar tudo o que gostaria, medo de falar as palavras erradas. medo de ser incompreendida. estava cansada. gastava as energias em noites de despedidas. amava os amigos, sorria e com eles se sentia bem. mas sem surpresa também se decepcionava com alguns e voltava a repetir as velhas frases e as velhas reclamações. no fundo todos continuam os mesmos. deveria esperar menos das pessoas. e as pessoas não deveriam lhe dar tantas expectativas. não vivia em um mundo imaginário, mesmo que lhe soasse interessante. tinha os pés no chão e por horas, dependendo da situação, tinha os dois pés atrás, virados e desconfiados. aprendeu a duvidar, a não acreditar e a sofrer menos. aprendeu a não levar as coisas tão a sério, embora devesse repensar essa última parte. sentia como se um vento tivesse passado e levado embora consigo todo aquele encantamento das noites de verão. abria o guarda-chuva e caminhava no meio da multidão. procurava por olhos conhecidos e desconhecia os olhares que via. não queria pensar besteira, não queria desacreditar naquilo tudo que sempre lhe pareceu tão bonito. mas a multidão caminhava tão apressada que nem notava a pequena menina de olhos arregalados virados para o céu. a chuva caía leve e tornava o silêncio menos doloroso. fechou o guarda-chuva e continuou a caminhar. sentia as gotas tocando sutilmente o seu rosto. sentia o molhado gelado. o cinza do céu lhe parecia bonito... quase neon. e as poças refletiam os postes de luz que pouco a pouco acendiam. o dia virou noite e ela não queria voltar para casa. que casa? sentia que não era de lugar nenhum e que não tinha para onde voltar, ou ir. não estava maluca. nunca estivera tão sã quanto naquele instante. tinha total consciência do todo ao seu redor, do porquê estava sentindo tudo aquilo e de como fazer parar. mas não sabia explicar. não sabia em que língua traduzir. queria dizer tudo só com um olhar. estava cansada das palavras e as palavras estavam cansadas dela. pensava demais. sentia demais. caminhou assim sem rumo por algum tempo, sempre na chuva. não sentia frio. e quando os pés já estavam cansados repousou o corpo em uma poltrona de algum teatro do centro da cidade... e ali ficou... respirando arte.
"não se trata de decepção amorosa, e sim de decepção com os seres humanos".
frase que muito ouvi no espetáculo "O Mapa" do Teatro Geográfico
"não se trata de decepção amorosa, e sim de decepção com os seres humanos".
frase que muito ouvi no espetáculo "O Mapa" do Teatro Geográfico
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