4 de agosto de 2012

os mistérios de maria.


de pés descalços, sentindo as pedras cinzas do chão e a joanete tilintando, correu em direção a porta mais próxima e entrou sem fazer barulho. de dentro do sonho via um corredor comprido e sem fim. uma luz branca forte tornava o caminho desfocado e quente, a poeira levantava a cada passo e ao seu lado voava uma mariposa amarela. com os cabelos compridos e loiros, arrastando pelo chão seus pequenos e tímidos cachos, caminhava suave e serena. o chão era úmido, era como se pisasse em um raso rio de águas cristalinas, com pequenos peixinhos cor de abóbora cintilante brincando em seus dedos. nunca usara sapatos em toda sua curta vida, acredita que não nasceu para ter algo apertando os seus pés, lhe prendendo na terra, talvez, vai saber... era uma jovem criança velha e a vida lhe parecia sim uma grande brincadeira de roda. se sentia expremida naquele corredor branco e ansiava por alguma saída ou caminho secreto escondido entre as paredes. tinha dezesete anos de vida nesta terra e setenta e sete de existência onde quer que seja, até hoje é um mistério os lugares por onde suas pernas já pasaram. pele branca, brotoejas vermelhas nos braços, olhos cor de mel, unhas laranjas e pêlos loiros, tão loiros, mas tão loiros que por horas refletiam a luz do sol e a tornavam dourada e cintilante, como uma dessas jóias bregas que se vê nas vitrines das boutiques, dessas que se ganha quando se faz quinze anos e se acredita que aquela menina será uma boneca de porcelana para sempre. maria se chamava. só maria. sem sobrenome ou complemento, com M de mãe e A de amor no final. era assim que lhe contavam pelo menos, o porquê da escolha de nome tão singelo. nunca fora para a escola e nem teve amigos também. maria era solitária e falava uma língua que só ela compreendia, ela e os pássaros, claro. tinha uma coleção de tatu-bolas e formigas num potinho, e no seu jardim plantava flores vermelhas e roxas. estava quase quase se tornando uma mulher, porém ainda era uma menina ou talvez sempre fora um pouco dos dois. e um pouco homem também. era maria, e só isso importava. no corredor branco nada acontecia, nenhuma surpresa e nenhum caminho mais interessante para seguir, era como esperar um ônibus que nunca vem ou então como quando o tempo não passa e os ponteiros do relógio simplesmente param ao meio dia. gostava de cantar canções bem alto com os olhos fechados, gostava de estralar os dedos da mão e dos pés e gostava de escrever e reescrever em cima do que havia escrito, repetidas vezes até a letra ficar bem forte e visível para todos que por ali descansarem seus olhos. não tinha grandes ambições e nem pensava muito sobre o futuro, não olhava o calendário e não tinha a mínima idéia em que ano estava, ou em que dia, que mês, minuto, nada. vivia do passado e jamais conheci melhor contadora de histórias do que ela. guardava cada detalhe fresquinho em sua memória e aumentava as histórias tornando-as mais dramáticas e emocionantes. se ainda estivéssemos nos tempos das cavernas ela com certeza seria a grande sábia sentada em frente à fogueira, abanando o fogo para que não apaguasse e contando histórias para quem quisesse ouvir. maria era assim: uma boneca com vestido de bolinhas e flores na cabeça, livre e sem amarras. tinha a si só e mais ninguém e dos seus devaneios e sonhos só a ela cabia sentir. respirava um ar azul claro como a água e quando falava borboletas saiam da sua boca. caminhou pelo corredor durante anos, passando por caminhos incríveis e entrando em portas antigas e maravilhosas. me contou algumas das suas aventuras e sei que existem tantas outras que ainda não tive tempo de ouvir. é que ando muito aterefado tentando ser alguma coisa na vida, assim que conseguir espero ter mais tempo de viver maria, de sentir maria e de não deixá-la ir.

2 comentários:

  1. Afude madrinha, curti mesmo, muitoo, e durante a leitura comecei Vandré e terminei Maria. Parabéns!

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  2. Amoo, ler seus textos, me envolvem de um jeito muito bom, tipo aqueles livros que vc le e nem ve o tempo passar!! Te amo Bezinha, já sinto saudades!!

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